10 de mar. de 2012

FUGIR DO EVANGELHO

É mais fácil levantar as mãos para balançá-las festivamente na alegria da fé que emociona; levá-las ao peito para louvar ao Senhor que nos cura e nos aquece a alma; mais fácil usá-la para aplaudir Jesus do que enfiá-la no bolso e ajudar um pobre, ou levantar uma bandeira em favor de uma passarela á frente da escola. Qual dos dois é mais engajado na fé cristã? O casal que não perde uma quarta feira de louvor, mas não sai de casa para nenhum engajamento social; ou o outro que vai à missa ou ao culto de domingo, mas, quando morrem crianças por falta de uma lombada ou passarela à porta da escola vai lá com bandeiras e faixas juntar-se aos pais para pressionar por mais proteção às crianças? Qual das espiritualidades é mais bíblica?
O fundador dos Dehonianos, ou Reparadores, ou ainda Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus (scj), o sociólogo Padre João Leão Dehon enfrentou esta dicotomia logo no início da sua novel congregação. Os novos candidatos que aderiram, em menos de dez anos já estavam olhando para direção oposta. Nada de sociologia! Um grupo ensaiou uma cisão querendo levar a congregação para o puro louvor. Diziam que o lugar do padre é no templo e que as atividades sociais eram estranhas ao ministério sacerdotal. Negavam-se a pregar sobre doutrina social. Não era assunto de um adorador do Sagrado Coração. Se os indivíduos se tornassem santos, a sociedade seria mais justa e mais santa. Pressionar por mudanças políticas era inútil enquanto as pessoas não fossem santas. A tarefa do padre era ensinar a penitência, a oração e a caridade. A pregação de justiça e direitos humanos era, segundo eles, um desvio. Consideravam o trabalho social algo secundário. Não era da essência da pregação católica.
Felizmente para o Padre Dehon, Leão XIII publicou uma poderosa encíclica: Rerum Novarum, um marco na catequese católica. A Igreja não apenas poderia, como deveria se preocupar com os problemas sociais, interferir e ir lá envolver-se: fazer política cristã!
Um século depois a cisão continua em alguns grupos da Igreja. Bento XVI, quando era ainda o Cardeal Joseph Ratzinger, no livro entrevista “O Sal da Terra”, dizia que era um pensamento terrível a idéia de que haveria bispos que não tomam posição ante os problemas sociais das suas dioceses. Dizia mais. Alertava contra a atitude de “cães mudos”, a dos guardas do rebanho que silenciavam diante do perigo. Em resumo, pregador que não grita em defesa do seu povo quando há um grave problema social ao seu redor é como cão de guarda que não reage diante do lobo. A Igreja, que já gritava em defesa do pobre e os injustiçados, desde Jesus aos Primeiros Padres, publicou, desde Leão XIII, nas mais diversas regiões do mundo onde atua, mais de 100 documentos sobre justiça, política, liberdade e direitos humanos.
Somos membros de uma Igreja que não apenas pede: exige que seus pregadores falem em defesa do povo! Não prega sobre os direitos humanos quem não quer! Mas nossa Igreja ordena presbíteros e os envia a pregar para que tomem as dores do povo e falem por ele e com ele. Aqueles microfones não estão lá apenas para cantar e louvar o Senhor. Precisam repercutir a doutrina social da Igreja, até porque fugir dos temas sociais é fugir dos evangelhos!

Pe Zezinho scj