26 de jan. de 2012

MISTERIOSA METRÓPOLE

Toda vez que entro em São Paulo sabendo que estarei no meio dos seus mais de dez milhões de habitantes, dos quais eu talvez não encontre com regularidade mais do que duzentos ou trezentos, o primeiro sentimento que me vem é o de mistério.

Lá estou eu, de novo, mergulhando num mar de gente, cujo nome não me lembro ou nem conheço e de pessoas que verei uma vez na vida e nunca mais. Lá estarei eu a comprar, em alguns supermercados, de pessoas cujo nome também não conheço, mas a todas eu devo dizer “olá, como vai, bom dia, boa tarde, boa noite”.

Algumas me saúdam, outras nem sequer respondem. Saudarei ao flanelinha da esquina que me chama de doutor, ao católico que freqüenta Igreja e me conhece e cujo nome não sei. Estarei lá no altar e para mim ele será um rosto amigo.

Quando saio de São Paulo e deixo para trás os mais de dez milhões de habitantes para voltar daqui a três ou quatro dias, encontro os trezentos mil habitantes da cidade onde leciono, mas lá também não conheço muita gente pelo nome.

Este mundo de anônimos como o motociclista que acabou de cruzar o meu caminho, é o misterioso cotidiano que eu vivo. Acho que sei mais ou menos quem sou eu, mas nunca entendi a repercussão do meu eu nos outros e não chego a entender a repercussão dos outros em mim.

Penso, escrevo artigos, faço canções, falo no rádio e na televisão, tentando entender o mistério do meu eu mergulhado nesses dez milhões de outros que formam o grande nós. No processo, descubro a importância do outro. Ele tem ou teve pai e mãe, tem ou teve família, tem ou teve amigos e quer ser feliz. Às vezes é, às vezes não é. O homem que acabou de cruzar à minha frente na esquina pode ser um santo ou um bandido: não posso julgá-lo. O restaurante do qual acabei de sair, me ofereceu uma comida que eu não tive medo de comer, embora não saiba quem é o cozinheiro; tenho que confiar nele.

De confiança em confiança vou vivendo nessa cidade de crime, de violências, envenenamentos, asfaltos, sangue no asfalto, loucuras, abraços, beijos apaixonados no metrô, ternuras, religião e fanatismo. O pregador que me tenta converter para Cristo mal sabe que tenho 69 anos de batizado. Ele conhece Jesus há três anos e nem sequer me pergunta se o conheço. Já vem oferecendo o seu Jesus e o da sua igreja.

Sei o que já vivi, mas talvez não saiba analisar adequadamente. Sei que vou morrer e não sei quando, mas sei que enquanto estiver vivo e puder fazer alguma coisa para que isto aqui se torne um lugar mais decente, é exatamente isto que farei. Quero diálogo com quem o quiser.

PE. ZEZINHO, SCJ