20 de jun. de 2011

SESSENTA JOVENS, SESSENTA CELAS

Eles têm a chave, por isso não estão presos. Mas vivem em celas pequenas, apertadas. Lá estudam, dormem cerca de sete horas, levantam cedo, lá meditam e lá se preparam para serem, amanhã, defensores da liberdade e mestres da solidariedade. Num mundo cheio de crasso individualismo escolheram um dos caminhos mais difíceis da vida: viver pelos outros e ensinar a viver pelos outros. Serão mestres da alteridade. Quem não se adaptar, provavelmente pedirá para sair. Há outras maneiras de servir a Deus. Mas, nestes quatro grandes corredores de uma casa e dois outros de outra, alguns quilômetros mais longe, eles forjam seu futuro.

A Igreja os chama seminaristas, eles se chamam pela palavra latina “frater”, que significa irmão. Estão nos últimos quatro anos de seus estudos que perfazem oito a dez. Alguns deles se especializarão, ou já vieram com diplomas e títulos. Mas todos eles pretendem ser sacerdotes, um deles quer ser irmão. Escolheram a mística dos “dehonianos”. Dehon foi padre, sociólogo, filósofo, jornalista e grande defensor dos trabalhadores e dos direitos humanos. Pretendem ser padres consertadores, reparadores, mestres do diálogo, pregadores da doutrina social da Igreja. É que o fundador era um estudioso da sociedade do seu tempo.

Passo ao lado, passo perto e vejo aquelas portas que escondem quase sempre o silêncio desses rapazes de menos ou pouco mais de 30 anos. Também passei por isso e, agora com 70 anos, acho que valeu o silêncio, valeu a disciplina, valeram os livros. Estão estudando, concluindo matérias, debatendo os grandes temas da fé e da sociedade e amanhã os dehonianos esperam que eles sejam abertos, cultos, francos, corajosos e embora gentis e acolhedores, não fujam ao dever de dizer o que sua Igreja espera que digam, onde quer que estejam.

Num Brasil de tantos assaltos, tanta violência, tanta insegurança, tanta riqueza mal distribuída, tanta corrupção, tanta alienação e fuga ao dever, espera-se deles que não se dediquem apenas a ensinar o povo a cantar e a orar nos templos. Sejam como Amós, Oséias, Jeremias e Paulo que elogiavam o que era elogiável e profetizavam contra o que feria o povo. Defendiam os pequenos e feridos pela vida.

Seus mestres de sociologia, exegese bíblica, antropologia, teologia moral e dogmática, história e comunicação deixam claro que terão que ter preparo, muita leitura, muita coragem e muita disciplina. Um critério para serem aprovados é sua capacidade de conviver com os colegas e com o povo lá fora.

Para quem não sabe o que estes rapazes vivem, é bom saber que entre o trabalho, o estudo, a oração, o esporte e, outra vez, o estudo, eles se preparam para subir a um púlpito e não falar de si mesmos. Serão porta-vozes de uma igreja de quase 20 séculos. Dificilmente você os ouvirá dizer “na minha opinião”. Serão porta-vozes.

Conseguirão? Grande número deles conseguiu. Será difícil? Eles ouvem todos os dias que não será fácil. Não obstante, parece que é isso que querem. Duas residências, sessenta celas, sessenta jovens, sessenta futuros sacerdotes católicos. No Brasil há centenas dessas residências com as mais diversas místicas.

Se, um dia, alguém o convidar para este desafio, considere! Nunca se sabe! Nossos bispos defensores dos pequenos, Dom Helder, Dom Paulo, Dom Aluísio, Dom Pedro, Dom Luciano, Bento XVI, e centenas de outros que ousaram gritar como Jeremias, todos eles passaram por esta disciplina. Tudo indica que valeu a pena!...

Pe Zezinho scj